29 de fevereiro de 2024

Religiosos do século XIV e do século XXI

 

            Minha parte preferida da introdução do clássico The Canterbury Tales, de Geoffrey Chaucer, é quando ele descreve o “folgazão e alegre” Huberd, o frade mendicante. Chaucer começa dizendo que, entre as ordens religiosas, “não havia ninguém que conhecesse melhor as artes do galanteio e da linguagem florida; e para as mocinhas que seduzia ele arranjava casamento às próprias custas.”. Sempre pesando na ironia, ele descreve que o frade “Era um nobre pilar de sua irmandade! Conquistara a estima e a intimidade de todos os proprietários de terras de sua região, assim como de respeitáveis damas da cidade, – pois, conforme ele mesmo fazia questão de proclamar, por licença especial de sua ordem tinha poder de confissão maior que o do próprio cura. Ouvia sempre com grande afabilidade os pecadores; e agradável era a sua absolvição. Toda vez que esperava polpudas doações, eram leves as penitências que impunha, porque, do seu ponto de vista, nada melhor para o perdão de um homem que a sua generosidade para com as ordens mendicantes: quando alguém dava, costumava jactar-se, sabia logo que o arrependimento era sincero. A tristeza só não basta, pois muita gente tem o coração tão duro que, mesmo sofrendo muito intimamente, não é capaz de chorar. Por isso, em vez de preces e prantos, é prata o que se deve ofertar aos pobres frades.”.

            É impressionante ver que um texto do século XIV pode encontrar tanto eco nos nossos dias. Ainda mais em um momento em que hordas de pessoas se juntam para atacar um religioso como o padre Júlio Lancellotti que realmente se dedica àquelas pessoas que nada têm. Bem diferente de Lancellotti, boa parte dos que pregam a Bíblia fazem como o frade medieval descrito por Chaucer que “Conhecia as tavernas de todas as cidades, e tinha mais familiaridade com taverneiros e garçonetes que com lazarentos e mendigas. Não ficava bem para um homem respeitável de sua posição privar com leprosos doentes: lidar com esse rebotalho não trazia nem bom-nome nem proveito; por isso, preferia o contato com os abonados e os negociantes de mantimentos.”.

Ao falar sobre as roupas do frade mendicante, ele conta sobre o “respeito que incutia, pois não lembrava um frade enclausurado, – com as roupas andrajosas de algum pobre clérigo, – mas sim um Mestre, ou mesmo um Papa. Seu hábito curto era de lã de fio duplo, redondo com um sino saído da fundição.”. Voltando pro século XXI, tenho me divertido (e me entristecido) muito com o trabalho do @outfitdotemplo. Aposto que Chaucer iria ficar com a mesma sensação. Tão longe e tão perto...



 

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P.S.: Citações retiradas de CHAUCER, Geoffrey. Os contos de Cantuária. São Paulo: T.A. Queiroz, 1988. pp. 6-7.

P.P.S.: Quer ouvir umas pessoas bacanas falando sobre Idade Média? Meu amigo Alex Castro acabou de começar um curso sobre literatura chamado “Grande Conversa Medieval”. A didática Aria Rita de quando em vez também resolve falar sobre o assunto focando em música. Aproveite que ambos são maravilhosos.

24 de janeiro de 2024

Minha carreira e a Arte

 

            Pequeno vídeo contando um pouco sobre a minha carreira e homenageando Nicolau Sevcenko, um dos melhores professores que eu já tive.

 



Materiais utilizados e citados no vídeo:

- Fotos e vídeos de arquivo pessoal feitas por estudantes doces.

- Nicolau Sevcenko no programa Provocações (2012, disponível em https://youtu.be/CxFaHUusv5g?si=B6xedLN3QzdpmnaZ) e no canal do filme Elena, palestrando em Harvard (2014, disponível em https://youtu.be/lvh-1jaYlAE?si=zpHab5cl5nbpxc_o).

- TRIDA, Mauricio Camargo. Cuidado onde pisa: a influência do solo nos passos de dança de salão. O Mosaico. 14(1). Curitiba: Unespar/FAP, 2022. Disponível em https://periodicos.unespar.edu.br/index.php/mosaico/article/view/4606.

- TRIDA, Mauricio Camargo. Passeando (virtualmente) no museu. In: BELEZIA, Eva Chow (org.). Metodologias Ativas: Práticas docentes em Ensino Híbrido. São Paulo: CPS, 2024. (No prelo.)

4 de dezembro de 2023

Azul: montagem, regras e comentários históricos

 

        Explicações para jogar o board game Azul e alguns comentários históricos. Disponível no YouTube.

 


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Bibliografia, fontes e materiais utilizados:

- Fotos de Alhambra obtidas em https://pt.wikipedia.org/wiki/Alhambra.

- “JUDITE - Estaremos Fazendo o Cancelamento (Fabio Porchat)”. Anões em Chamas. Vídeo. 2012. Disponível em https://youtu.be/vEaNCoCXcdk?si=0BR7gtJ315PbhrT8.

- Mapa da expansão islâmica. 2011. Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Map_of_expansion_of_Caliphate-pt.svg.

- “Palácio Nacional de Sintra”. Parques de Sintra. Vídeo. 2017. Disponível em https://youtu.be/zXaCJn1GQDw?si=o3SOqdhdEFJPc1ZD.

- “Palácio Nacional de Sintra • Sintra • Portugal | BeSisluxe Tours”. BeSisluxe. Vídeo. 2019. Disponível em https://youtu.be/7yG2ss1THOM?si=M9cVaFZwjm2VaIu5.

- CHEEL. “Blue dream”. Trilha sonora. 2020. Disponível em https://www.youtube.com/@dimanchechill/ e https://www.youtube.com/audiolibrary.

- DEMANT, Peter. O mundo muçulmano. São Paulo: Contexto, 2003.

- HELLWALD, Federico de. La Tierra y el Hombre Descripción pintoresca de nuestro globo y de las diferentes razas que lo pueblan. Barcelona: Montaner y Simón, 1887.

- KIESLING, Michael. Azul. Jogo. São Paulo: Galápagos Jogos, 2018.

- TENGARRINHA, José. História de Portugal. Bauru/São Paulo/Portugal: Edusc/Unesp/Instituto Camões, 2000.

 

30 de novembro de 2023

Atitudes “magnânimas” e o castigo oficial para quem fugia para um quilombo (Podcast)

 

            Podcast comentando o alvará assinado por dom João V, o Magnânimo, em 03 de março de 1741, sobre os castigos que negros deveriam receber por fugir para um quilombo. Pode ser ouvido no YouTube, no Spotify for Podcasters (antigo Anchor) ou em plataformas de podcast.



            O trecho lido do alvará é o seguinte: “Eu, el Rei, faço saber aos que este Alvará em forma de Lei virem, que, sendo-me presentes os insultos que no Brasil cometem os escravos fugidos, a que vulgarmente chamam quilombolas, passando a fazer o excesso de se juntarem em Quilombos, e sendo preciso ... que evitem essa desordem: [decreto:] Hei por bem que a todos os negros que forem achados em Quilombos ... se lhes ponha com fogo uma marca em um ombro com a letra F, que para esse feito haverá [material disponível] nas Câmaras; e se, quando se for a executar essa pena, já for achado com a mesma marca, se lhe cortará uma orelha, tudo por simples mandado do Juiz de Fora, ou Ordinário da Terra, ou do Ouvidor da Comarca, sem processo algum, e só pela notoriedade do fato, logo que do Quilombo for trazido, antes de entrar para a cadeia”.

 

Bibliografia, fontes e materiais utilizados:

- “Afrodescendentes de quilombos ‘não servem nem para procriar’, diz Bolsonaro na Hebraica do Rio”. Opera Mundi. 2017. Disponível em https://youtu.be/lcXJNGhUQy8?si=7-X4mAXxHBjJvliX.

- “Bolsonaro defende tortura para quem ficar em silêncio em CPI, em maio de 1999”. Poder 360. 2021. Disponível em https://youtu.be/VRzVMcOdK1I?si=mdjRYj5-kxHuxo7C.

- Coleção Cronológica de leis extravagantes, posteriores à nova compilação das Ordenações do Reino. Tomo II de Leis, Alvarás, etc.. Coimbra: Real Imprensa da Universidade, 1819. pp. 476-477.

- BLAKE, Jeremy. Cool Revenge. Trilha sonora. 2023. Disponível em https://www.youtube.com/@RedMeansRecording e  https://www.youtube.com/audiolibrary.

- HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Grande Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.

- NEVES, Maria de Fátima Rodrigues das. Documentos sobre a Escravidão no Brasil. São Paulo: Contexto, 1996.

- POST, Frans. Trecho de mapa da capitania de Pernambuco. Mapa-desenho. 1647.

- RANC, Jean. D. João V. Pintura. 1729.

 

31 de outubro de 2023

Arte e a primeira vez*

 * NSFW, mas deveria ser.

            Você lembra onde viu a Mona Lisa pela primeira vez? Eu não lembro. Obviamente não foi no Louvre, porque nunca estive lá. Parece que eu sempre soube da existência da mais famosa pintura de Leonardo da Vinci, como se tivesse nascido sabendo. Mas, óbvio, não foi assim.

            Algumas obras de arte são tão comuns que parece que sempre estiveram dentro da minha cabeça. Provavelmente, todo mundo deve se sentir assim sobre algumas obras. Por isso mesmo, quando vejo uma obra que não conhecia e gosto, fico com uma sensação gostosa de saber exatamente quando e onde a vi pela primeira vez. Sei, por exemplo, exatamente o que estava acontecendo quando tive meu primeiro contato com A origem do mundo, pintura de 1866 de Gustave Courbet.



            Mais ou menos no auge do Facebook, algumas mães, felizes pelo bebê que acabara de nascer, postavam fotos amamentando. Com a desculpa de que queria evitar fotos pornográficas, a rede social censurava as imagens e bloqueava os perfis das mães. Alguns homens, em apoio a essas mulheres, publicaram fotos sem camisa e, obviamente, não sofreram nenhuma censura do Facebook. Até que um homem da minha rede (desculpe-me, não vou me lembrar quem foi) não postou uma foto, mas, sim uma pintura. A pintura de Gustave Courbet. Sem entender a ironia (seja da pintura, seja da postagem), a rede social censurou a pintura e bloqueou o rapaz –, que, na época, publicou um texto em um blog contando o caso.

            Sim, o Facebook censurou uma pintura do século XIX. De qualquer modo, foi assim que eu vi, pela primeira vez, A origem do mundo e descobri que se tratava de uma pintura muito famosa.

            Nesta semana, passeando pelo Sesc Avenida Paulista, entrei na exposição Tornar-se Orlan, da artista francesa Mireille Suzanne Francette Porte, mais conhecida como Orlan. Lá, escondida em um canto, tive o prazer de ver, pela primeira vez, a obra A origem da guerra (1989).


            Orlan fez uma releitura maravilhosa da obra de Gustave Courbet. A origem da guerra foi feita nos mesmos moldes dA origem do mundo, reproduzindo, inclusive o tamanho e a moldura. A obra de Orlan mantém a ironia presente na de Courbet, choca o público (efeito também causado por A origem do mundo) e acrescenta um elemento feminista (possivelmente ausente em Gustave Courbet).

            Fico feliz de ter conhecido ambas as obras e de ter o privilégio de lembrar exatamente como as conheci.

 

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P.S.: Em 2014, a artista Deborah de Robertis fez uma performance em frente ao quadro A origem do mundo chamada Espelho da Origem mostrando o mesmo que a pintura mostrava. Os seguranças esvaziaram a sala, procuraram ficar na frente da artista e ela acabou escoltada para fora do Museu de Orsay pela polícia. Aqui um texto legal sobre a obra e aqui um vídeo da performance